Eleições gerais nos EUA, Reino Unido e Índia fazem de 2024 um ano decisivo para o futuro das criptomoedas

O Bitcoin (BTC) foi criado por Satoshi Nakamoto como uma rede e um padrão monetário transnacional, programada para operar imperturbavelmente à margem de governos e instituições políticas. No entanto, após 15 anos de crescimento exponencial e da construção de um novo mercado financeiro de US$ 2,5 trilhões, as criptomoedas tornaram-se grande demais para serem ignoradas pela classe política.

Iniciativas de regulação com propósitos e abordagens diferentes procuram responder aos desafios decorrentes da disrupção financeira inoculada pelo Bitcoin. Em um momento crítico de instabilidade geopolítica e desafio à hegemonia do dólar por parte de potências emergentes, é impossível manter o Bitcoin e toda uma classe de ativos financeiros que dele se originou à margem da política.

As recentes iniciativas do governo brasileiro em relação ao setor mostram que há diferentes formas de abordar o problema. No Brasil, as criptomoedas foram adotadas por investidores atraídos pelos grandes retornos financeiros, e acolhido pela classe política como um instrumento para alavancar a arrecadação de impostos.

Em paralelo, o Banco Central está desenvolvendo uma CBDC (moeda digital de banco central) que promete integrar contratos inteligentes, tokenização de ativos e primitivos de finanças descentralizadas (DeFi), sem inibir – pelo menos a princípio – a inovação e as bases do novo mercado emergente. Isto é, desde que haja meios de aumentar a vigilância sobre a privacidade financeira dos usuários de criptomoedas – algo que pode de fato acontecer com o Drex. Ou seja, o Brasil não adotou – pelo menos até agora – posições extremas quando se trata do mercado de criptomoedas.

Em nível mundial, do lado do espectro favorável às criptomoedas, há, hoje, em uma posição praticamente solitária, El Salvador. O país centroamericano adotou o Bitcoin como moeda de curso legal em 2021 e embora as participações do país estejam no verde, a adoção cotidiana por parte da população ainda não ganhou tração e efetividade. 

O fundo soberano do Butão investe regularmente em Bitcoin, embora o país asiático não adote a criptomoeda como uma política de estado.

No extremo oposto, a China baniu a negociação e a mineração de criptomoedas em 2021, com uma política de estado que prega o controle estatal sobre a moeda através do yuan digital. A população chinesa, por sua vez, não abandonou os ativos digitais, apesar das proibições. 

A combinação de política e criptomoedas cria uma grande zona cinzenta cheia de contradições, na qual a maioria dos governantes têm dificuldade de transitar. Por isso, traçar um panorama do cenário eleitoral de algumas das maiores potências econômicas globais é importante para compreender o que está em jogo para as criptomoedas em 2024.

Estados Unidos

O confronto entre republicanos e democratas evidencia um país partido ao meio entre polos opostos. Os debates e a regulação das criptomoedas replicam essa divisão. O partido do presidente Joe Biden apresenta-se como opositor da indústria, enquanto a oposição republicana é majoritariamente favorável. Até mesmo o ex-presidente e atual candidato republicano Donald Trump está revendo suas críticas aos ativos digitais, muito embora motivado pelo potencial capital político que um apoio explícito ao setor possa lhe trazer nas urnas.

Apesar da aprovação dos ETFs de Bitcoin à vista pela Comissão de Valores Mobiliários dos EUA (SEC), uma notória adversária da indústria sob a presidência de Gary Gensler, há projetos de lei em tramitação no Congresso que podem inviabilizar as operações de protocolos de finanças descentralizadas no país, por exemplo, dando margem para a criminalização de desenvolvedores e de prestadores de serviços.

A regulação das stablecoins e um projeto de lei contra a lavagem de dinheiro com criptomoedas também estão em debate nos Estados Unidos. Com isso, as criptomoedas tornaram-se arma de campanha. 

A democrata de Massachusetts Elizabeth Warren apresenta-se como líder do exército anti-cripto na disputa pela reeleição ao Senado Federal. Autora da Lei Contra a Lavagem de Dinheiro com Ativos Digitais, Warren costuma associar as criptomoedas ao terrorismo e ao crime organizado para justificar a adoção de uma regulação que dificulte o desenvolvimento da indústria no país. 

Por outro lado, os candidatos presidenciais republicanos derrotados nas primárias Ron DeSantis e Vivek Ramaswamy posicionaram-se abertamente a favor do Bitcoin e contra o lançamento de uma versão digital do dólar, assim como o independente Robert Kennedy.

A oposição a uma CDBC marca o posicionamento mais contundente de Trump no que diz respeito aos ativos digitais. Já a campanha de Biden tem optado por deixar o assunto ausente dos debates até o momento.

Em resumo, um marco regulatório favorável às criptomoedas nos EUA depende da vitória de Trump e de uma maioria republicana no Senado e na Câmara. Ainda assim, por si só tal resultado não garante o sucesso de políticas pró-cripto nos EUA, dada a forte oposição dos democratas à indústria.

Reino Unido

O líder do partido conservador e primeiro-ministro, Rishi Sunak, assumiu o cargo em 2022 sob a expectativa de que o Reino Unido assumiria políticas pró-cripto de forma assertiva. Apesar da aprovação da Lei de Mercado dos Serviços Financeiros, que inclui as stablecoins como meio de pagamento na região, não houve outros avanços efetivos sob o seu governo.

De acordo com pesquisas recentes, a eleição está indefinida. Mesmo que Sunak e os conservadores tenham uma postura moderadamente pró-cripto, uma vitória do governo atual não assegura avanços fundamentais no setor de ativos digitais britânico. 

Por outro lado, um documento sobre políticas econômicas e financeiras dos trabalhistas divulgado no começo deste ano faz menção a tokenização de valores mobiliários e ao desenvolvimento e implantação de uma CBDC. 

Criptomoedas como o Bitcoin têm passado ao largo dos debates no Reino Unido. 

Índia

A potência asiática emergente ocupou o primeiro lugar no Índice Global de Adoção de Criptomoedas de 2023 da Chainalysis, apesar de haver uma forte oposição do governo conservador do Primeiro-Ministro Narendra Modi ao mercado e à indústria local.

O atual governo instituiu um imposto de 30% sobre ganhos de capital em criptomoedas como forma de afastar os investidores locais. A medida também obrigou empresas e empreendedores do setor a buscar jurisdições com ambientes regulatórios mais favoráveis, incluindo executivos da Polygon (MATIC). 

Liderada por um membro do partido governante, a Unidade de Inteligência Financeira (FIU) da Índia acusou exchanges de criptomoedas globais com Binance e Kraken de operarem ilegalmente no país.

Durante a cúpula do G20 sob a presidência da Índia, em agosto do ano passado, Modi defendeu a criação de um marco regulatório global para as criptomoedas. A proposta defendida pela Índia na ocasião mostrou-se alinhada às diretrizes do Conselho de Estabilidade Financeira, da Força-Tarefa de Ação Financeira e do Fundo Monetário Internacional (FMI). 

De acordo com uma reportagem da Reuters publicada em 3 de abril, a coalizão liderada pelo partido do primeiro-ministro pode ganhar quase 75% das cadeiras no parlamento nas eleições que começam neste mês. Modi goza de alta popularidade entre os indianos devido ao crescimento econômico sustentado que o país vem ostentando sob a sua liderança.

Os resultados da eleição serão conhecidos em junho, e ao que tudo indica às restrições às negociações de criptomoedas e ao desenvolvimento da indústria na potência asiática em ascensão continuarão na ordem do dia.

Em um cenário geopolítico complexo e turbulento, a indústria de criptomoedas encontra-se em um ponto de inflexão importante Diante do recrudescimento do radicalismo político, mais do que nunca o Bitcoin pode se configurar como uma ferramenta capaz de garantir a soberania e a privacidade financeira dos indivíduos. Por outro lado, enfrenta desafios complexos no que diz respeito à regulamentações e políticas governamentais.

Assim, o resultado das  eleições de 2024 em países chave poderá traçar o caminho para a adoção e a integração das criptomoedas na economia global, ou, ao contrário, representar um golpe severo contra as pretensões de Satoshi Nakamoto de remodelar a economia e as finanças a partir de uma tecnologia neutra, apartidária e descentralizada.



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